quinta-feira, 23 de abril de 2009

NÃO è SOLUÇÃO (revista Exame)

quinta-feira, 23 de abril de 2009
exame/ finanças


É inútil demitir o presidente do BB para reduzir o juro bancário
Especialistas dizem que estratégia pode ser desastrosa para todo o país e mostram o que deve ser feito para baixar o spread

Por Francine De Lorenzo 14.04.2009 10h45


Portal EXAME -

Com a troca no comando do Banco do Brasil na última semana, o governo deu o recado de que está disposto a usar os bancos públicos para reduzir os juros cobrados em empréstimos bancários no Brasil. Tão logo se espalhou a notícia da substituição de Antonio Francisco de Lima Neto por Aldemir Bendine para o comando da instituição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, veio a público afirmar que a redução do spread bancário (diferença entre a taxa que os bancos pagam para levantar recursos no mercado e a cobrada de seus clientes) era sua "obsessão". "O Guido (Mantega, ministro da Fazenda) sabe disso, o Banco do Brasil sabe disso, a Caixa Econômica sabe disso, o Banco Central sabe disso", afirmou.
No mercado, não há quem discorde da necessidade de queda nos juros. O que causa dúvida e desconforto em investidores e analistas é a forma como isso será feito. Num momento em que o mundo passa por uma grave crise econômica - provocada pela concessão inadequada de crédito - o assunto ganha contornos mais delicados. "A interferência do governo na concessão de crédito nos Estados Unidos foi o primeiro passo que culminou na atual crise ", alerta Adolfo Sachsida, professor de Macroeconomia da Universidade Católica de Brasília.
A estratégia de Lula e sua equipe é usar os bancos públicos para obrigar os privados a rever suas taxas. Ao praticar juros muito abaixo dos de mercado, o banco ganharia clientes, expandiria sua carteira de crédito e faria a concorrência se mexer para não perder espaço. "Isso não vai dar certo", afirma Keyler Carvalho Rocha, professor de Finanças da Universidade de São Paulo. "Se o governo baixar demais os juros, não vai ter dinheiro para todo mundo. A crise secou as fontes de recursos", explica.
Para Rocha, os bancos privados não acompanhariam os públicos na redução das taxas porque isso significaria perda de rentabilidade. O menor retorno nas operações, aliás, teria sido o ponto da discórdia entre Lima Neto e o governo. Uma versão extraoficial da saída de Lima Neto do BB dá conta de que ele teria se recusado a promover mais cortes nos juros para não comprometer a rentabilidade da instituição, que tem ações negociadas na Bovespa.
"Quando o governo começa a interferir, normalmente não se satisfaz apenas com uma ordem. Hoje, a orientação é baixar os juros. Amanhã, ele pode decidir incentivar os bancos privados a conceder crédito barato comprando, por meio da Caixa e do BB, os títulos lastreados nestes créditos, e assim por diante. Quando o mercado se der conta, já teremos nossa própria crise subprime", diz Sachsida.
Qual a melhor alternativa?
Impor aos bancos a cobrança de juros menores, na opinião dos analistas, cria uma situação artificial, que não se sustenta a longo prazo. Para que o país tenha de fato taxas mais baixas seria necessário reformular as bases que compõem o spread bancário. De acordo com o Banco Central, o spread é dividido da seguinte forma: 37,4% referem-se à inadimplência, 13,5% ao custo administrativo, 3,6% ao compulsório, 8,1% aos tributos e taxas, 10,5% aos impostos diretos e 27% a outros componentes, incluindo o lucro do banco e os subsídios ao crédito direcionado.
Já que a inadimplência é o fator de maior peso no spread, poderia ser um bom ponto de partida. Não é de hoje que especialistas destacam as vantagens da criação de um cadastro positivo, que beneficiaria com taxas menores quem sempre pagou seus compromissos em dia, mas o projeto é discutido há anos sem nunca ter sido levado a votação em plenário na Câmara e no Senado. "O que acontece no Brasil é exatamente o contrário do que deveria ser. Há uma proteção aos inadimplentes. Quantas vezes já não vimos perdão de dívidas?", diz Sachsida.
Outras duas mudanças necessárias seriam a redução dos tributos incidentes sobre as operações de crédito e o aumento da concorrência entre os bancos. Nos últimos anos, os movimentos de fusões e aquisições provocaram uma forte concentração bancária, colocando 86% do mercado nas mãos de apenas 20 bancos, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Enquanto o Brasil contava com 156 instituições bancárias em 2007, a Alemanha contabilizava 2.130 e os Estados Unidos, 7.282.
Para aumentar a concorrência, avalia Sachsida, o governo teria que afrouxar a regulamentação do setor, que hoje favorece os grandes bancos. "É muito difícil cumprir todas as exigências do Banco Central. É por isso que há poucas cooperativas de crédito no Brasil", diz.
E como ficam os investidores do BB?
A perda de 10,7% com as ações nos dias 8 e 9 de abril, segundo os analistas, não deve ser recuperada rapidamente. A inesperada mudança no Banco do Brasil assustou os investidores e trouxe de volta a discussão sobre os riscos de se investir em uma empresa pública. "A atitude do governo comprometeu todo o trabalho feito pelo banco para reconhecimento de sua gestão. O mercado começou a se perguntar se isso era uma medida contra a crise ou se era política, devido à proximidade das eleições", diz Ricardo Tadeu Martins, diretor de Pesquisa da corretora Planner.
A sensação que ficou foi a de insegurança e, na dúvida, a fuga é o caminho natural. "Tirar o presidente que vinha promovendo o crescimento do banco da forma como foi feito gerou muita desconfiança. Vamos acompanhar os resultados do banco para ver o que acontece, mas hoje considero os papéis de Bradesco e Itaú mais atrativos", afirma Kelly Trentin, analista da corretora SLW.
Já a corretora Geração Futuro decidiu remar contra a maré. Wagner Faccini Salaverry, diretor da corretora, diz que aproveitou o recuo das ações para fortalecer suas posições. "Por enquanto, não vemos evidências de redução no lucro do BB. Se a estratégia do governo significar aumento na concessão de crédito sem crescimento da inadimplência, será positivo", avalia.
Em teleconferência nesta segunda-feira (13/4), Aldemir Bendine afirmou que não irá afrouxar os critérios de análise de crédito. "Queremos ocupar mais espaço no mercado, mas com responsabilidade", disse. O discurso, no entanto, não convenceu Sachsida. "O banco cumpriu com seu papel ao afirmar que não vai reduzir o rigor na concessão de crédito. Mas, se ele não fizer isso, nada vai mudar. Para emprestar mais, o banco terá de aumentar o limite de crédito para quem já tem acesso a ele e estender a oferta para aqueles que hoje não têm", diz.

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